Erradicar a pobreza vivendo longe dos pobres?

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Celebrou-se no passado dia 17 de Outubro o dia internacional para a erradicação da pobreza. Em Portugal, devido à crise económica, o número de pobres, e de pessoas que passam grandes dificuldades económicas, tem vindo a aumentar. Os partidos políticos têm dedicado atenção ao tema, denunciando, culpabilizando políticas, e prometendo soluções.

Sobre esta matéria, é natural que hajam alguns consensos, mas o desacordo surge quando se pretende envolver mais a sociedade na resolução deste problema. Com frequência surge o pensamento de que não vale realmente a pena lutar contra a pobreza, já que a nossa contribuição seria como uma gota de água num imenso oceano. Apesar disso, torna-se importante contrariar a ideia de que a luta contra a pobreza é demasiado esmagadora e impossível de concretizar.

Nos últimos anos, milhares de pessoas em todo o mundo têm lutado e conquistado um conjunto de direitos humanos importantes: o direito à liberdade, ao trabalho, à saúde, à justiça, etc. O esforço, embora legítimo, de defender os direitos humanos tem sido privilegiado face à necessidade de promover também “os deveres humanos”. Ou seja, seria importante dedicarmos mais esforço na defesa do dever de solidariedade, o dever de se criar uma consciência social, o dever de criar um imperativo moral de salvarmos as vidas daqueles que não conhecemos.

Imagine-se um jovem que sempre foi protegido pelos pais e viveu com conforto, segurança, e sem privações. Ao alcançar um nível de formação escolar superior, com o tempo acaba por ocupar um lugar de destaque numa empresa, num organismo público ou mesmo na política. Que capacidade terá este indivíduo para encontrar as melhores soluções para erradicar a pobreza se sempre viveu longe dos pobres? Não basta ter ideias, pois as ideias afastadas da realidade podem-se tornar perigosas. É por isso é que muita das vezes os pobres resistem aos planos fantásticos que muitos políticos imaginam para eles, pois não se aproximam das suas necessidades, da sua cultura ou das suas crenças.

A solidariedade também se aprende e deveria de ser ensinada nas escolas através de ações concretas. Seria importante incluir nos programas escolares um número de horas dedicadas ao trabalho de voluntariado em instituições de solidariedade social. Só através de um contacto direto com a realidade, e vivendo na prática uma experiência desta natureza, é que será possível criar uma consciência plena de responsabilidade social, formando os jovens que serão os líderes de amanhã.

Uma outra forma de se fomentar a proximidade e o contato direto com a realidade das pessoas mais carenciadas seria a valorização no currículo, apresentado na candidatura a um emprego, do trabalho voluntário; tal como já acontece noutros países, como é o caso dos EUA. Esta experiência deve ser justamente valorizada como a capacidade e a virtude de estabelecer um compromisso altruísta, contrariando um certo individualismo narcísico que reina na nossa sociedade. O voluntariado não deve ser encarado como um ato isolado, muitas vezes com contornos folclóricos, nem considerado apenas como um gesto de caridade, ou uma vocação individual, mas assumido por todos como um dever social.

 A pobreza atualmente é vista um pouco como foi a lepra no passado: deve ser tratada, mas até se alcançar este objectivo, à cautela, devem-se isolar as vítimas. A segregação e o isolamento em que os mais pobres são remetidos é uma realidade. As crianças mais pobres acabam por se aperceberem, desde cedo, que pouco se espera delas, pois não existem muitas hipóteses de saírem da armadilha da pobreza. Após algumas tentativas infrutíferas de superar a sua condição, o mais certo é que os pobres desistam de sair da pobreza, e se mantenham isolados a sofrer em silêncio, sobrevivendo com algum subsídio do Estado, até que se surja uma campanha eleitoral ou um novo dia internacional de erradicação da pobreza, e sirvam como figuras exóticas, obtendo uns minutos de notoriedade, num qualquer noticiário televisivo. O resto do tempo irão continuar a viver longe, longe de nós.

Pedro Afonso

Médico Psiquiatra

 

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