A perturbação bipolar

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A psicose maníaco-depressiva que viria a dar lugar à denominação de «perturbação bipolar» (tendo perdido peso a utilização da palavra «psicose»), já que muitos dos que sofriam da doença nunca chegavam a apresentar sintomas psicóticos, corresponde a uma perturbação afectiva. A perturbação bipolar tem uma prevalência menor do que a depressão, atingindo cerca de 1% da população (Kaplan, 2003), embora existam alguns autores que apontam para valores um pouco superiores. As mulheres são cerca de duas vezes mais atingidas no subtipo de doença bipolar II, ao passo que para a doença bipolar I os valores se revelam idênticos. Esta doença pode surgir muito precocemente, designadamente na infância. Tem ocorrido um aumento do número de casos em adolescentes e jovens, provavelmente e em grande parte devido aos consumos de álcool e drogas, principalmente as estimulantes (por exemplo, ecstasy e cocaína) que acabam por contribuir para a manifestação da doença.

O estado de mania pode ser considerado como estando no pólo oposto ao da depressão. No lugar do pessimismo temos a euforia e a exaltação. A lentificação tão frequentemente observada na depressão, dá lugar, na mania, à hiperactividade quer psíquica (aceleração do pensamento), quer motora, que se reflecte num comportamento com grande actividade e energia, sem que haja fadiga aparente.

Se a depressão costuma ser aceite e compreendida socialmente, o mesmo não acontece com a mania, já que as alterações que provoca no indivíduo podem chocar e causam algum temor nas pessoas. Isto acontece porque o comportamento do doente maníaco é imprevisível, infringindo com frequência as regras sociais (pode, por exemplo, começar a despir-se em público, ou dançar em cima das mesas de um café, apenas porque se sente feliz). O doente que se encontra numa fase maníaca perde o sentido crítico em relação ao seu estado de saúde e pode mergulhar num mundo delirante povoado, habitualmente, de ideias de grandeza. Mas, afinal, como é caracterizado um episódio maníaco?

O episódio maníaco

O doente apresenta-se com uma excessiva boa disposição (elação do humor), uma alegria incomensurável ou, por vezes, fica irritável, podendo tornar-se mesmo colérico. A sua aparência é cuidada, pode até vestir roupas extravagantes, no caso das mulheres mesmo provocantes (mini-saias, grandes decotes, etc.).

O comportamento também se encontra alterado, já que o indivíduo se sente invadido não só por uma alegria desproporcionada, mas também por uma energia inesgotável. Há casos em que sente vontade de ajudar os outros e praticar o bem. Deseja a paz no mundo e criar ao mesmo tempo uma sociedade igualitária em que todos sejam irmãos.

A necessidade de dormir diminui drasticamente, a ponto de três a quatro horas de sono serem suficientes para que acorde sem nenhuma sensação de cansaço. A actividade é grande e pode realizar uma série de tarefas num mesmo dia. São frequentes os casos em que, a altas horas da madrugada, o doente inicia tarefas domésticas, como limpar a casa ou passar roupa a ferro.

Os gastos e as compras excessivas acompanham o episódio maníaco. Perde-se o controlo das despesas e pode-se gastar fortunas em pouco tempo sem que haja consciência crítica. Nesta fase é frequente os doentes ultrapassarem os limites de crédito e criarem dívidas um pouco por todo o lado.

O desejo sexual fica aumentado, o que, em certos casos, pode conduzir a comportamentos sexuais promíscuos envolvendo uma grande número de parceiros num curto período de tempo. O comportamento torna-se tão desadequado e perturbado que por vezes surgem problemas com a vizinhança, com desconhecidos ou até mesmo com a polícia.

O pensamento está acelerado, manifestando-se através de uma necessidade inesgotável de falar (verborreia). O doente pode falar durante horas seguidas e passar rapidamente de uns assuntos para outros, muitas vezes sem que haja grande associação entre eles (fuga de ideias). Na mania ocorrem pensamentos de grandeza, que podem ir desde um optimismo exagerado, até ao ponto de apresentarem contornos delirantes. A auto-estima fica aumentada e a pessoa julga-se importante ou com capacidades que, na realidade, não possui. Dentro da sintomatologia psicótica que pode surgir no contexto do episódio maníaco, para além das ideias delirantes de grandeza (as mais frequentes), podem surgir também alucinações auditivas.

À medida que o episódio evolui, desenvolvem-se momentos de conflito e agressividade, acompanhados de frustração e disforia, o que torna a pessoa facilmente irritável no contacto com os outros.

A nível intelectual, apesar de existir uma maior actividade, a capacidade de atenção diminui, o que impede o indivíduo de fixar a atenção durante tempo suficiente para poder desenvolver um trabalho intelectual produtivo. Por isso, distrai-se com facilidade, ficando hipersensível aos estímulos que o rodeiam.

As formas menos graves e mais moderadas de mania são designadas por episódios hipomaníacos. Os sintomas apresentados não são suficientemente graves para causar uma marcada perturbação social, ou laboral, ou para necessitar de internamento. No episódio hipomaníaco, os sintomas psicóticos encontram-se ausentes. A hipomania pode ser de difícil reconhecimento, uma vez que o doente nesta fase não pede habitualmente ajuda médica, pois sente-se bem e não reconhece estar doente.

O episódio misto

Aproximadamente 40% a 50% dos doentes com perturbação bipolar apresentam ao longo da história da sua doença sintomas depressivos e maníacos em simultâneo (Freeman, 1999). Os doentes podem revelar uma grande labilidade emocional, alternando muito rapidamente o riso com o choro, ficam hiperactivos e inquietos, existe uma aceleração do pensamento, verborreia e alterações do padrão do sono. O humor também pode revelar-se disfórico e irritável.

(extraído do livro de Pedro Afonso «Será Depressão ou Simplesmente Tristeza»)

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