As redes sociais e a cultura da imaturidade

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As redes sociais vieram mudar significativamente as nossas vidas. A emigração maciça da vida social real para o mundo virtual das redes sociais da internet corresponde, num sentido lato, à maior emigração humana da história.

Ninguém sabe exatamente quais são as consequências que decorrem deste novo estilo de vida passado na internet, embora já hajam alguns estudos. Por exemplo, a utilização excessiva da internet e das redes sociais está associada a depressão, a uma baixa-autoestima e a sentimentos de isolamento. Além disso, a utilização regular das redes sociais, e mais concretamente do Facebook, tem sido associada a um maior risco de divórcio e de relacionamentos extraconjugais.

Um inquérito realizado junto da American Academy of Matrimonial Lawyers (AAML) revelou que a utilização da rede social Facebook estava envolvida, como fator principal, em um em cada cinco divórcios nos EUA. O ecrã do nosso computador serve muitas vezes como uma espécie de janela para as nossas fantasias, onde se busca aquilo que não encontramos na vida real. Se um casamento está em crise, se alguém está infeliz numa relação, pode surgir a tendência para essa pessoa procurar uma alternativa amorosa. Essa procura faz-se cada vez mais nas redes sociais. Porém, essa busca pode revelar-se enganadora, uma vez que é essencialmente reativa e emocional. Muitas vezes não se faz uma reflexão madura adequada sobre o que está mal na relação conjugal e o que poderá ser alterado, o que já foi feito para melhorar e o que ainda é possível fazer; há geralmente uma fuga para a frente.

Qualquer pessoa percebe que, com a rapidez com que tudo se passa atualmente na era da internet, a ponderação e a reflexão foram praticamente excluídas do nosso dia a dia. Muitas crises conjugais são intensificadas por uma baixa tolerância à frustração, uma falta de perseverança face à adversidade e por um certo egocentrismo. Com frequência, as justificações das ruturas são importadas das revistas cor de rosa e assentam nos clichês individualistas habituais: “não era feliz”, “deixei de gostar”, “tenho o direito de procurar a minha felicidade”, “quero voltar a estar apaixonado(a)”.

O mundo mudou e muitas vezes já não são as televisões, os jornais e as rádios que nos dão as notícias, mas são as redes sociais que, perante determinados acontecimentos que aparentemente seriam insignificantes, fazem a notícia. Todavia, em muitos casos a reação é emocional, pouco profunda e elaborada, tal como grande parte dos comentários que lemos sobre as notícias dos jornais na internet.  A agressividade prepondera, assistem-se a linchamentos públicos, e todos têm opinião sobre tudo.

Veja-se o caso recente do colunista Henrique Raposo, mais concretamente o ódio irracional de que foi vítima nas redes sociais, após a publicação do seu livro “Alentejo Prometido”. É certo que correu riscos, por ter abordado temáticas nesta obra que não domina propriamente (psiquiatria e sociologia), mas isso não invalida que emita opinião e pense sobre o assunto, ainda que se possa discordar. Ora, é precisamente “o pensamento” que está a desparecer numa parte significativa da sociedade que emigrou para as redes sociais e que por lá passa cada vez mais tempo. O Facebook funciona muitas vezes como um enorme “buraco negro” que vai sugando as mentes de muitas pessoas, criando um estado regressivo coletivo. O pensamento para, a introspeção e a autocrítica deixam de existir. Tudo é reativo e instintivo, o hedonismo prevalece e o seguidismo emocional cego surge de forma recorrente e imprevisível. Numa palavra, as emoções dominam o ser humano e surgem dissociadas do pensamento e da inteligência.

Em ambos os exemplos citados anteriormente, há um elemento comum: estamos a assistir à promoção da cultura da imaturidade. Neste contexto, as redes sociais são autênticos “esconderijos emocionais”, pois não estão a favorecer propriamente o conhecimento, a reflexão, a prudência e o autocontrolo. Existe uma exaltação febril da impulsividade, da superficialidade, da expressão de sentimentos e comportamentos mais primitivos, como a violência e os julgamentos sumários das pessoas. Estas características são imaturas, primárias e revelam uma reduzida inteligência emocional.

Cada vez mais pessoas passam demasiado tempo emersas no mundo virtual das redes sociais da internet, agarradas obsessivamente ao computador, procurando a sua autorrealização. Mas julgo que este caminho é enganador e não ajuda ao crescimento individual, nem à aquisição de uma verdadeira aprendizagem social. O mundo real é muito mais rico, profundo, e valioso do que o mundo virtual. É motivo para dizer “viva cá fora, não se refugie lá dentro”.

Pedro Afonso

Médico Psiquiatra

Artigo publicado no jornal Observador

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