Depressão

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A perturbação depressiva

Qualquer um de nós conhece alguém (familiar ou amigo) que tem ou já teve depressão. Isto dá-nos logo à partida uma ideia – ainda que subjectiva – da enorme prevalência desta doença. A depressão é uma doença que afecta ao longo da vida cerca de 15% a 20% das mulheres e aproximadamente metade dessa percentagem no caso dos homens (APA 1994). Atinge praticamente todas as idades, desde as crianças até aos idosos, e tem implicações sociais marcadas, tendo-se tornado num verdadeiro problema de saúde pública face ao elevado número de pessoas atingidas.

A doença interfere significativamente com a forma de sentir, pensar e agir. As suas características acabam por se reflectir no relacionamento interpessoal, nomeadamente na estrutura familiar, provocando muitas vezes situações de conflito e incompreensão. Existem também consequências económicas, quer individuais, quer ainda para a própria sociedade, uma vez que esta patologia pode causar uma grande incapacidade para o trabalho, conduzindo a um absentismo laboral habitualmente prolongado. Mas a depressão tem as suas maiores consequências ao nível individual, visto ser causadora de um grande sofrimento psíquico que, infelizmente, em muitos casos, leva ao desespero e ao suicídio.

Actualmente, as pessoas aceitam com maior facilidade pedir ajuda ao psiquiatra, em comparação com o que acontecia há alguns anos atrás. Houve por isso uma diminuição do estigma associado à psiquiatria, que é cada vez mais vista como uma especialidade médica como outra qualquer. Por outro lado, admite-se com maior facilidade que se está deprimido ou, pelo menos, as pessoas estão mais sensibilizadas para a doença, já que ela é abordada frequentemente pelos vários meios de comunicação social. Estes dois factores levam a que haja um maior número de casos diagnosticados de depressão.

Nos últimos anos, tem havido uma maior atenção e sensibilização para as doenças mentais por parte dos colegas de clínica geral, detectando-se por isso mais casos que, no passado, não eram diagnosticados e muitas vezes se escondiam por detrás de queixas físicas. As inovações terapêuticas nesta área têm sido significativas. O aparecimento de novos antidepressivos, mais seguros e melhor tolerados, acabou por generalizar o seu uso entre os médicos não especialistas. O marketing dos laboratórios na promoção dos seus produtos e o aparecimento frequente deste tema nos meios de comunicação social poderão ter contribuído também para um aumento da utilização destes tratamentos.

As perturbações depressivas e ansiosas são doenças com uma maior prevalência nos países mais desenvolvidos, em comparação com os chamados «países do Terceiro Mundo». Isto poderá ser compreendido em parte pelo maior stress a que as pessoas, principalmente as que vivem nos centros urbanos, estão sujeitas

Além disso, o apoio social é cada vez mais reduzido. As pessoas que vivem nas grandes cidades estão cada vez mais desprotegidas a este nível. Em muitos casos o seu desenraizamento é grande, já que muitas delas vieram dos meios rurais à procura de melhor vida; outras imigraram de outros países, o que provoca maiores dificuldades de adaptação. Estes fenómenos migratórios acarretam um maior isolamento social, dificultando a integração numa vivência comunitária.

Nos meios urbanos, muitas vezes não se conhece os próprios vizinhos do prédio. A «psicoterapia de bairro» está a desaparecer e algumas rotinas sociais estão bastante diferentes do que eram no passado.

Antes do aparecimento das grandes superfícies comerciais, as compras do dia-a-dia eram feitas na mercearia ou no pequeno supermercado de bairro, onde as pessoas se conheciam entre si e se tratavam pelo próprio nome. Ao cruzarem-se com uma vizinha, aproveitavam para falar de trivialidades, mas ao mesmo tempo eram feitas algumas partilhas de circunstância. Conversavam acerca das suas preocupações, dos problemas de saúde e familiares e partilhavam-se experiências. As palavras de conforto proferidas na altura eram um suporte emocional importante, que funcionava muitas vezes com um efeito amortecedor perante acontecimentos de vida traumáticos ou adversos. Existia, assim, uma vivência comunitária, de partilha, que ajudava a reduzir o risco de depressão, mas que, infelizmente, tem vindo a perder-se. Deu-se lugar à eficácia, à rentabilidade, tudo foi massificado conduzindo a uma certa despersonalização.

A «psicoterapia de bairro» foi-se perdendo para dar lugar a uma espécie de «psicoterapia de consumo» muito bem representada nas inúmeras revistas «cor-de-rosa» que proliferam, nos jogos de computador, nas compras pela Internet, no número de electrodomésticos, no carro, na roupa de marca, nas férias no lugar da moda, etc.

A solidão é um problema social cada vez mais grave nos dias de hoje. Os idosos são, inevitavelmente, um dos grupos mais frágeis e mais abandonados ao seu destino. Além disso, as nossas crianças crescem muitas vezes sozinhas e passam muito pouco tempo com os pais. É frequente ficarem nos infantários 10 a 12 horas diárias. Após este período, e quando chegam a casa, os pais, cansados de um dia de trabalho esgotante, têm pouca disponibilidade para elas. É um ciclo que parece perpetuar-se.

Perante esta realidade, o médico acaba por se confrontar com muitos pedidos de ajuda. Existe uma maior solicitação dos serviços de saúde, quer ao nível das consultas, quer ao nível das urgências hospitalares. Com frequência, no serviço de urgência, observamos doentes que referem cefaleias, dores abdominais, sensação de dor no peito, entre outras queixas físicas, e nos quais, após uma observação cuidada e alguns exames de diagnóstico, acabamos por não detectar nada de anormal. Quando interrogamos essas pessoas sobre se existe alguma preocupação nas suas vidas, uma vez que não se encontrou nenhuma patologia orgânica que justifique as queixas, elas caem num pranto e desabafam sobre problemas concretos: o filho está metido na droga, o marido tem uma relação extraconjugal, existem problemas económicos, etc. Estes exemplos servem para traduzir a grande dificuldade que o médico por vezes tem em interpretar e distinguir entre aquilo que é uma doença individual e aquilo que é uma «doença social».

O quadro seguinte apresenta os principais sintomas da depressão.

 Os sintomas da depressão

  • Humor deprimido

  • Perda do interesse e incapacidade para sentir prazer

  • Diminuição da energia e cansaço fácil

  • Falta de atenção e concentração

  • Incapacidade para tomar decisões

  • Ideias de culpa ou de inutilidade

  • Baixa auto-estima

  • Ideias pessimistas quanto ao futuro

  • Diminuição do apetite e perda de peso ou, mais raramente, aumento do apetite e do peso

  • Alterações do sono

  • Ideias de auto-agressão ou suicídio

Quando é feito um diagnóstico de depressão, o tratamento não deve passar apenas pela toma do «comprimido milagroso»!. Qualquer acto médico deve ser acompanhado por uma relação terapêutica. Na área da saúde mental, este aspecto é fundamental. Procura-se deste modo dar espaço ao doente durante a consulta para que ele possa verbalizar as suas queixas e expressar livremente as suas emoções.

Existem várias abordagens no tratamento da depressão, desde a actuação farmacológica (com antidepressivos, ansiolíticos, etc.), à psicoterapia individual ou em grupo, à electroconvulsivoterapia, à fototerapia e, mais recentemente, à estimulação magnética transcraneana, etc. Independentemente da estratégia terapêutica escolhida, é importante referir que os tratamentos para a depressão não visam apenas a melhoria do humor e do estado geral, procurando ainda restabelecer o indivíduo em termos de funcionamento social e prevenir futuras recorrências da doença.

(Extraído do livro de Pedro Afonso «Será Depressão ou Simplesmente Tristeza»)

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